É deliciosa e picante a matéria DE TRAFICANTE PARA VIPS ( http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=644). Ao contrário da Rede Globo, que deu a impressão de que todos tiveram acesso ao bazar do traficante, o autor conseguiu fazer o registro fiel de uma cena tipica da mediocridade brasileira.


Não fiquei nenhum pouco surpreso ao saber que houve discriminação socio-econômica na venda dos produtos do mega-traficante milionário. Na verdade a matéria da Carta Capital me fez lembrar de um texto sacana e provocador que escrevi há algum tempo acerca da história de nossa elite bestial ( http://imediata.org/index.php?p=138).


Peço licença ao Ricardo Lísias para transformar seu texto num capítulo desta mesma história minha à qual farei um adendo necessário. A elite brasileira não é só bestial é estupidamente sem auto-estima. Afinal, detalhe esquecido por Lísias, Abadia vivia junto à fina flor da elite paulista. Seu modesto palácio embelezava um condomínio de altíssimo padrão.


Enquanto estava solto, o endinheirado criminoso deve ter provocado muita inveja aos seus condominos. Isto explicaria a fúria mitológica que certamente pode ter levado alguns deles a adquirir os produtos do traficantes.


Karl Marx disse em algum texto (no 18 Brumário de Luís Bonaparte, se não me engano) que as tragédias históricas as vezes se repetem como farsas. O episódio do bazar dos produtos do Abadia ilustra bem a tese do alemão. Mas como estamos no Brasil e vivemos num presente que nunca se torna passado ou num passado que vive impedindo a concretização do futuro, foi a farsa que se transformou em tragédia.


No século XVI os indigenas comiam os portugueses que lhes caiam nas mãos acreditando que adquiririam suas virtudes. Pobres indigenas! Foram vítimas de um auto-engano. No máximo adquiriram os defeitos lusitanos (língua, religião, vestuário, repressão sexual, crença no retorno de Dom Sebastião etc.). Seus descendentes - o saudoso Darci Ribeiro não disse, mas sugeriu que nossa elite também veio das bolas dos índios que fizeram as índias que os portugueses aqui foderam - agora adquirem os produtos do traficante para se tornarem tão ricos e bem sucedidos quanto ele.


Os fatos enunciados no texto DE TRAFICANTE PARA VIPS provam que estamos diante de uma tragédia monumental. Como pode um país progredir com uma elite que se rebaixa ao ponto de comprar os produtos usados de um criminoso?



Fábio de Oliveira Ribeiro